Brasileiros não estão no Cadastro Único, não têm conta em banco, nem acesso à internet; fazer o dinheiro chegar é difícil
Metrópoles
Quando o casal Viviane Santos, de 26 anos, e Adriano da Silva, de 39, soube do auxílio emergencial de R$ 600 para informais e autônomos de baixa renda por conta da pandemia do novo coronavírus, a sensação foi de alívio. “Mas, quando vimos a burocracia para conseguir o recurso, foi como se o fim do túnel ficasse mais longe”, diz Viviane.
“O trabalho desde a pandemia está reduzido a zero”, conta Adriano, que é pedreiro. Sem emprego fixo e morando em uma ocupação na periferia de São Paulo, eles nunca contaram com o poder público para o básico: água, luz ou saneamento. O acesso à internet, que Viviane usaria para marcar faxinas, também é raro. “É como se a gente fosse invisível”, resumem.
Entre os economistas, é quase um consenso que o benefício de R$ 600 para desempregados, autônomos e informais de baixa renda é fundamental para evitar o colapso de milhões de famílias, que ficaram sem rendimento durante o isolamento social. Mas fazer o recurso chegar a quem não fazia parte de programas como o Bolsa Família ou estava inscrita no Cadastro Único (um instrumento do governo que identifica as famílias de baixa renda) é mais difícil do que parece.
O primeiro desafio era inscrever 11 milhões que não estavam no Cadastro Único do governo, mas têm direito ao benefício, segundo cálculo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O segundo é fazer o pagamento. Para quem não tem conta em banco, a Caixa Econômica Federal prometeu criar 30 milhões de poupanças digitais, movimentadas via aplicativo.
Aprenda aqui o passo a passo de como fazer o cadastro para obter o auxílio emergencial de R$ 600.
Só que mais de 5,5 milhões de brasileiros com renda de até meio salário mínimo, elegíveis para receber o benefício, não têm conta em banco ou acesso regular à internet, mostra pesquisa do Instituto Locomotiva, feita a pedido do Estado. Parcela quase invisível da população, são eles que correm o maior risco de não receber o auxílio.DESTAQUES3/5Piloto morre após avião cair em lavoura noMato GrossoVEJA MAISRecomendado por
“A crise do coronavírus tirou renda e jogou para a pobreza muita gente que tinha pouco, mas não era alvo de programas sociais. O vírus joga luz a problemas que já existiam, como a baixa renda dos informais, e acentua uma desigualdade histórica”, diz Renato Meirelles, que é presidente do Instituto Locomotiva.
Vida real
Onde o poder público não chega, quem mais precisa se une. No Rio, é uma associação de camelôs que cadastra e faz o acompanhamento do pedido de benefício para colegas sem internet ou conta em banco. “Fazemos o pedido e monitoramos o andamento”, conta a ativista Maria de Lourdes do Carmo. “Se a gente não se unir, todo mundo vai sofrer.”
“A ajuda vem de ONGs e associações que nunca tiveram a simpatia deste governo”, lembra o diretor da FGV Social, da Fundação Getulio Vargas, Marcelo Neri. “É preciso agir: a crise chegou após cinco anos de aumento da pobreza. No fim de 2019, a desigualdade de renda do trabalho, enfim, parou de subir, mas deve voltar a crescer.”
“O auxílio é bem desenhado. O desafio é chegar a todos”, diz Pedro Herculano de Souza, técnico do Ipea que estuda a desigualdade de renda.
Na sexta-feira, a Caixa Econômica Federal informou que 9,1 milhões de pessoas que se inscreveram para o programa pelo aplicativo ou site receberiam a parcela de R$ 600 até hoje.
Procurado, o banco não respondeu até a conclusão desta reportagem como o governo fará para que o auxílio chegue às famílias sem conta e acesso à internet e como elas irão movimentar as poupanças digitais.