Autora: Lilian Tahan
Jornal Correio Braziliense – 02/06/2011
Contrato sem licitação, geralmente, aparece entre os motivos campeões de fraudes cometidas em negócios públicos. Uma das primeiras ações julgadas sobre a Caixa de Pandora pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), a que envolve valores mais significativos até agora, investigou uma prática ainda mais ousada que a dispensa de concorrência para driblar a lei, despistar a fiscalização e facilitar o desvio de dinheiro. O TCDF encontrou fortes indícios de irregularidade na prestação de serviços pela empresa Linknet Tecnologia e Telecomunicações Ltda. à Secretaria de Fazenda de janeiro de 2007 a dezembro de 2008. O espantoso, nesse processo, é que nem contrato existiu. O “acordo verbal”, percebido por meio do reconhecimento de dívida do GDF, resultou, segundo aponta análise técnica do tribunal, em prejuízo de R$ 29.213.269,92.
O resultado da Auditoria nº 7.0005.10, realizada pelo Núcleo de Fiscalização de Tecnologia da Informação do TCDF, foi julgado no último dia 24 pelos conselheiros do TCDF. Por unanimidade, eles concordaram com a investigação técnica que apontou graves indícios de desvio de recursos públicos no acerto informal mantido entre a Secretaria de Fazenda e a Linknet para o fornecimento de software e hardware. Os auditores foram guiados por três perguntas para apurar o vínculo entre a empresa citada na Caixa de Pandora e o órgão governamental: os procedimentos de contratação da prestação do serviço ou fornecimento de bens seguem os ditames legais?; O preço pago é compatível com o praticado no mercado?; O serviço e os produtos foram efetivamente prestados e entregues? As três respostas encontradas durante a apuração indicam má conduta com o dinheiro público.
Observando a legislação, a auditoria sublinha que não há respaldo constitucional na dispensa de contrato, alegando que a prática fere artigos da Lei de Licitações (nº 8.666/93). “Tal condição não pode perdurar sob o manto da essencialidade dos serviços prestados, pois evidencia o descumprimento de diversos dispositivos da Lei de Licitações, que invalidam a hipótese de contratação verbal”, diz a auditoria, que sustenta “assim, evidencia-se que a Secretaria de Fazenda optou por manter a situação de informalidade, em vez de realizar procedimentos licitatórios, ou até mesmo promover a contratação emergencial dos serviços em exame”.
Quanto ao preço praticado pela Linknet, os técnicos fizeram uma pesquisa de mercado e, com base em métodos que permitem comparar serviços de tecnologia da informação, chegaram à conclusão de que houve sobrepreço de R$ 28,9 milhões na compra de 1.345 microcomputadores, estabilizadores, servidores, impressoras, além de 1.924 produtos de software. A apuração técnica ainda rastreou que alguns dos produtos fornecidos pela empresa à Secretaria de Fazenda não foram usados pelo governo, o que teria gerado desperdício de R$ 233,2 mil.
Para o relator desse processo no TCDF, conselheiro Renato Rainha, a dispensa de contrato é “irracional” e os “valores que foram apurados, significativos”. “Neste momento, abrimos o contraditório para ouvir os envolvidos. Caso seja comprovado o dano ao erário, os responsáveis serão condenados a devolver os valores, com as devidas correções, além de poderem ficar inabilitados para exercer cargo público no DF por até oito anos”. Entre os sete gestores citados no processo em andamento no Tribunal de Contas estão três ex-secretário de Fazenda do GDF, que atuaram no órgão entre 2007 e 2009. Valdivino Oliveira, Luiz Tacca Júnior e Ronaldo Lázaro Medina terão de apresentar, em 30 dias, defesa na ação movida pelo Tribunal, sob pena de pagamento de multa e dos valores do desvio apurado. Além dos secretários, quatro ex-chefes da Unidade de Administração Geral da Secretaria de Fazenda foram apontados como responsáveis pelo prejuízo calculado na auditoria, assim como os donos da Linknet.
Ainda entre as medidas determinadas pelos conselheiros, está a abertura de Tomada de Contas Especial e a determinação para que o governo atual suspenda a utilização de qualquer item fornecido pela Linknet, bem como eventuais pagamentos à empresa. A secretária de Comunicação do GDF, Samanta Sallum, informou que a Secretaria de Transparência está concluindo um trabalho de varredura nos contratos de prestação de serviços de informática de todo o governo e afirmou que “onde for encontrado qualquer tipo de irregularidade, o problema será imediatamente sanado”.
Investigação longa
Essa auditoria é uma das quase 60 em andamento no Tribunal de Contas do Distrito Federal que surgiram em função da Operação Caixa de Pandora. As investigações conduzidas por esse Tribunal se baseiam, especialmente, nos contratos firmados entre órgãos do governo e empresas citadas no Inquérito nº 650 do Superior Tribunal de Justiça.
Serviços sob suspeita
A princípio, os negócios de informática mantidos pela Linknet com a Secretaria de Fazenda eram intermediados pelo Instituto Candango de Solidariedade (ICS), que pagava a prestação dos serviços à empresa. A Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) também participava do processo, sendo responsável por ressarcir o ICS dos valores repassados à Linknet.
Quando o ICS foi extinto, no início de 2007, os serviços passaram a ser prestados diretamente à Codeplan, sem cobertura contratual. Em seguida, o próprio órgão passou por reformulações internas que a tiraram desse processo, ficando a negociação dos contratos de informática diretamente feita entre a empresa e a secretaria.
Em outro período, tentou-se regularizar a situação por meio do Contrato nº 19/2006, assinado em 14 de julho de 2006, mas que, exatamente dois meses depois, foi rescindido. Os serviços continuaram a ser prestados sem contrato.
Valdivino se defende
O ex-secretário de Fazenda do GDF e atual deputado federal por Goiás Valdivino de Oliveira (PSDB) negou qualquer responsabilidade no desvio apurado pelo Tribunal de Contas em relação aos serviços prestados pela Linknet. Segundo o ex-gestor, ele não era secretário à época do acerto com a empresa, tendo assumido o cargo em agosto de 2008. “O secretário era Tacca Júnior. Quem contratou os serviços não fui eu, também não autorizei pagamento algum nem acertei preços, assim, não fui ordenador de despesas da secretaria e muito menos participei de qualquer decisão no processo. Então, que responsabilidade que poderia ser imputada a mim, subjetiva? O direito não admite responsabilidade subjetiva.”
O principal argumento usado pelos gestores em resposta à auditoria do TCDF é o de que a falta de cobertura contratual entre a Secretaria de Fazenda e a Linknet foi motivada pela reestruturação da Codeplan, que antes de passar por mudanças em suas atividades fazia a intermediação entre a empresa e a secretaria. As mudanças na Codeplan teriam desencadeado, segundo sustentam ex-gestores, a rescisão dos contratos de bens e serviços firmados entre a companhia e o órgão governamental.
A reportagem tentou contactar os ex-secretários Luiz Tacca Júnior e Ronaldo Medina, mas não conseguiu localizá-los.