Procurador-geral da República vai ao STF contra trem da alegria que promoveu, sem concurso, técnicos de nível médio para superior
Por Ana D’Angelo.
Fonte : Correio Braziliense
28/06/2011
Os auditores-fiscais e analistas tributários da Receita Federal estão em pé de guerra. O motivo é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF) neste mês, questionando um trem da alegria que resultou, em 1999, na transformação da carreira de técnico de nível médio em superior. Em 2007, o nome do cargo mudou para analista tributário. O relator da Adin, que ainda não tem data para julgamento, é o ministro Gilmar Mendes.
Se a transposição dos cargos for considerada inconstitucional, os cerca de 3,5 mil antigos técnicos do Tesouro Nacional em atividade que foram reenquadrados como técnicos da Receita (os analistas de hoje), sem fazer concurso de nível superior, voltarão ao cargo de junho de 1999, de nível médio. Os cerca de 2 mil que passaram por seleção de nível universitário, a partir daquele ano, também voltarão a ser considerados técnicos. Somente serão analistas os aprovados a partir de 2007. Isso poderá resultar em salários diferenciados no futuro entre eles, conforme os aumentos concedidos, já que, por lei, não pode haver redução nos rendimentos.
Indignação
São 7,6 mil servidores ativos, com salários variando entre R$ 7.996 (inicial) e R$ 11.595 (final). A remuneração corresponde a 60% do que ganham os auditores (entre R$ 13.600 e R$ 19.451). Todos os atuais 4,4 mil analistas aposentados, além da maioria dos 2,2 mil instituidores de pensão, ingressaram no serviço público em cargos de nível médio e foram beneficiados pelo aumento dos salários concedidos pela elevação do nível exigido.
“O clima está péssimo. Há desmotivação e indignação da categoria”, afirmou um diretor do sindicato da categoria, que acusa os auditores de quererem desmerecer os antigos técnicos, que têm atribuições complexas. Já o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), que acionou a PGR, alega que os colegas querem virar auditores sem passar em concurso para a carreira. Analistas de vários estados estão fazendo manifestos contra a representação feita pelo Sindifisco. A Receita Federal não quis se manifestar sobre o clima de hostilidade entre os seus servidores. Informou apenas que “as categorias funcionais que compõem o quadro do Fisco contribuem para o cumprimento da sua missão institucional”.
Outros trens
A decisão do STF também influirá nas pretensões de técnicos de outros órgãos que querem ser promovidos aos cargos seguintes de nível superior sem fazer concurso público, como os do Judiciário, os do Legislativo federal e os de órgãos estaduais e municipais. As entidades sindicais que representam técnicos do Judiciário e do Ministério Público querem que eles sejam alçados a analistas de nível superior sem passarem por seleção pública.
Na Adin, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pede liminar e sustenta que os dispositivos que permitiram a transposição de cargos da Receita ferem o artigo 37 da Constituição Federal, que exige que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego”. Segundo Gurgel, “as tarefas desenvolvidas por um técnico da Receita seguramente são distintas das que envolvem um analista tributário”.
A carreira de analistas da Receita é motivo de polêmica desde 1984, quando antigos funcionários do Ministério da Fazenda, incluindo agentes administrativos, secretárias e até quem tinha nível superior, foram convocados a participar de concurso interno para integrar a carreira de técnico do Tesouro Nacional, de nível médio.
Em 1999, o governo alterou o nome do cargo para técnico da Receita Federal e passou a exigir nível superior para os novos concursos públicos. Com isso, todos os técnicos de nível médio foram alçados à condição superior, mesmo não tendo feito a seleção com esse grau de exigência. Em 2007, a Lei n° 11.457, que unificou a Secretaria da Receita Previdenciária do INSS e a Receita Federal, transformou os cargos de técnicos da Receita em analistas tributários.
Quem mais quer subir
Técnicos da Secretaria da Fazenda do GDF
Em 2001, o GDF alterou os dois cargos de auditor tributário, de nível superior, e de técnico tributário, de nível médio, para auditor e fiscal, respectivamente, ambos de nível superior. Os antigos técnicos, de nível médio, foram promovidos a fiscais. A lei foi considerada inconstitucional, e o GDF foi obrigado a restituir o cargo de nível médio. Os novos fiscais aprovados em concurso de nível superior foram reenquadrados como técnicos.
Técnicos do Judiciário
A proposta da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) e sindicatos da categoria é de que os técnicos que ocupam funções de nível médio (salário inicial de R$ 3.950 e final de R$ 6.400) , mas tenham curso superior, migrem para a carreira de analista (salário inicial de R$ 6.550 e final de R$ 10.500) sem a necessidade de aprovação em concurso. Há Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso tratando do assunto desde 1995.
Técnicos do Legislativo
Com salário inicial de R$ 13.800 e final de R$ 15.600, os técnicos de nível médio tentam, há décadas, serem reenquadrados como analistas legislativos, de nível superior, cujo salário inicial é de R$ 18.500 e final de R$ 20.500. Na carreira de técnico, há dezenas de ex-motoristas e ex-agentes de portaria, beneficiados por trem da alegria do passado. Em julho passado, o Congresso inseriu, no Plano de Cargos e Salários do Senado, dispositivo que criava o novo trem da alegria, mas o ex-presidente Lula vetou.