20160412054312Brasília, 12 de abril – O governo federal tem aliados aparentemente inusitados na batalha por apoio às medidas de aperto fiscal exigidas em troca da proposta de auxílio aos Estados. Enquanto alguns deputados da bancada petista se posicionam contra o projeto, um grupo de secretários de Fazenda de pelo menos cinco Estados governados pela oposição e que acompanha a tramitação da lei tenta evitar que sejam aprovadas somente as benesses da proposta de alongamento da dívida com a União, que podem representar alívio fiscal total de até R$ 45,5 bilhões até 2018.

Ana Carla Abrão Costa, de Goiás; Ana Paula Vescovi, do Espírito Santo; George Santoro, de Alagoas; Mauro Ricardo Costa, do Paraná, e Renato Villela, de São Paulo, integraram a comissão que representou os secretários estaduais nas reuniões com o Ministério da Fazenda para a costura do acordo que deu origem a uma proposta que alonga em 20 anos o prazo de pagamento da dívida com a União, em 10 anos o prazo com o BNDES e ainda possibilita a redução de 40% no pagamento de serviço da dívida durante 24 meses.

Após o acordo entre Estados e União e depois da apresentação do projeto de lei complementar pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, o grupo de cinco secretários continua a se reunir e mantém diálogos com um objetivo adicional comum: o de manter as contrapartidas exigidas pela União em troca do alívio com a dívida e também as alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que tornam mais rígidas a contabilização da despesa de pessoal. Tirando Alagoas e Espírito Santo, governados pelo PMDB, os outros três Estados têm governos tucanos.

Embora vários pontos da proposta do governo federal não tenham o apoio dos cinco secretários – o dispositivo mais criticado foi o regime especial de contingenciamento (REC), colocado no projeto sem ter sido debatido (ver a reportagem Regime de contingenciamento é alvo de críticas de secretários) -, eles defendem medidas para preservar o máximo possível a LRF.

“Não adianta somente alongar a dívida. Sem as ferramentas de maior controle fiscal a trajetória de gastos dos Estados crescendo mais que as receitas vai continuar e estourar lá na frente, daqui a dois anos, em 2018, em pleno ano de eleições”, diz Ana Carla, de Goiás.

Um dos pontos cruciais do capítulos dois da lei, diz a secretária, é a mudança na LRF sobre o cálculo da despesas de pessoal. Hoje os Estados, conta, usam uma série de brechas para reduzir a despesa e deixá-la enquadrada, como retirar auxílios, terceirizações, verbas indenizatórias, entre outros. “O teto que existe hoje é inócuo. Não adianta tirar itens da conta para cumprir os limites da LRF quando na verdade os Estados comprometem quase toda a sua receita com pessoal. Em Goiás, sem as brechas, 80% das receitas vão para despesas com pessoal. Nós precisamos escancarar isso.”

Ou, como resume o secretário do Alagoas, George Santoro, “o caixa não mente jamais”.

Na verdade, diz Ana Carla, os Estados todos estão com uma média de comprometimento de 80% das despesas com pessoal. “Somente um ou dois Estados deixariam de estourar o limite se as brechas fossem fechadas”.

Pelos critérios da LRF, segundo o relatório encerrado em 2015, a despesa de pessoal do Executivo de Goiás representa 48,44% da receita corrente líquida, um pouco abaixo do teto de 49%.

Com as mudanças propostas, diz a secretária goiana, os Estados reconheceriam o desequilíbrio e teriam dez anos para se reenquadrar. Os instrumentos para se exigir isso estão na proposta de lei, diz a secretária, como a proibição de criar cargos e conceder reajustes salariais, além da exigência de 10% em recursos livres para investimento.

Segundo Renato Villela, secretário da Fazenda paulista, no caso de São Paulo a despesa de pessoal, com a contabilização proposta no projeto de lei, sairia do percentual de alerta para ir além do limite prudencial. Segundo ele, não passaria do teto da LRF. A despesa com folha do Estado atualmente é de 46,28%. No ano passado, pela primeira vez desde 2000, quando foi publicada a LRF, o Estado de São Paulo avançou a linha do alerta, de 44,1%. O prudencial é de 46,55%.

“As despesas de pessoal são o maior gargalo do setor público”, avalia Villela. Por isso, argumenta, não há como não aprovar as medidas de aperto fiscal. “As contrapartidas são parte integrante do pacote. Não há como ter somente o lado do alívio sem aprovar a outra parte”, defende Villela. No caso do Estado, o alívio é representativo. Nas contas do secretário, a proposta do governo federal permite redução de pelo menos R$ 4,5 bilhões no serviço da dívida anualmente, já considerando o efeito da redução de 40% no fluxo de pagamentos.

“Só alívio fiscal não é bom para os Estados. No dia seguinte, vai ter pressão de servidor, de todos os lados, para aumentar despesa administrativa. Os governadores querem ter dinheiro para fazer investimentos”, argumenta Santoro, de Alagoas. Para ele, é até possível que as mudanças de aperfeiçoamento da Lei de Responsabilidade Fiscal sejam discutidas com mais calma – embora também sejam urgentes -, mas é preciso ao menos conservar contrapartidas como o congelamento de salários por dois anos e limitação do crescimento das demais despesas correntes à variação do IPCA.

Mauro Ricardo, do Paraná, também avalia que, sem exigências de ajuste, os Estados vão usar esse ganho momentâneo para conceder aumentos salariais, o que é inadequado. “Tem que controlar despesa de custeio, que está crescendo de maneira assustadora, porque as pressões corporativas levam a aumentos salariais insuportáveis neste momento de crise”.

A decisão da bancada do PT de defender a exclusão desse tipo de contrapartida, porém, causa forte receio, diz Ana Carla. Para ela, a posição defendida pelo partido enfraquece a LRF e trará efeitos “graves” para as contas públicas, com o agravamento da recessão econômica. “Aprovar as contrapartidas e fazer o Estados buscarem o ajuste fiscal é o caminho mais difícil, mas é o caminho certo.”

Villela argumenta que será inviável, na prática, aplicar somente as medidas de alívio. “Não sei se haverá veto, caso as exigências fiscais não sejam aprovadas, mas o Tesouro Nacional poderá não assinar os aditivos contratuais para prolongar a dívida, já que a proposta é apenas autorizativa e não traz obrigações de adesão para o governo federal ou para os Estados.” Pessoas próximas aos secretários, porém, colocam em dúvida a força política que o governo federal poderá ter. Seja para o veto à lei ou para uma atuação mais criteriosa do Tesouro na análise fiscal que deve anteceder a assinatura dos aditivos com cada Estado.

“Eventualmente, se o Congresso aprovar o projeto dessa forma [sem medidas de ajuste fiscal], até a presidente pode vetar o projeto, e aí ficamos como estamos. É o perde-perde”, afirma Mauro Ricardo, do Paraná. Para ele, seria importante que o governo convencesse partidos de sua base a apoiar o projeto. “A maior resistência à tramitação vem de parlamentares do PT. Aí fica difícil, fica parecendo que é projeto dos partidos da oposição, o que não é”.

Para o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), as contrapartidas podem ser discutidas depois. “O essencial agora é a renegociação, a abertura de crédito”, afirma ele. Segundo Dino, no atual momento político e econômico do Brasil, não dá para pensar em impor aumento da contribuição previdenciária aos servidores de 11% para 14%, uma das medidas previstas no projeto. “É inviável”.

Ana Paula Vescovi, do Espírito Santo, garante que o Estado sempre foi contra a renegociação das dívidas. A situação fiscal capixaba é umas das únicas relativamente confortáveis no Brasil. Os gastos do Executivo com pessoal correspondem a 43,5% das receitas. Mas a partir do momento em que a conjuntura econômica se agravou, no ano passado, o debate sobre o alongamento das dívidas precisava ao menos ser feito, desde que incluísse as contrapartidas, diz.

“Acho que está bastante claro que o Brasil nunca passou por uma contração tão forte da atividade e que os instrumentos fiscais não estavam preparados, dado que a queda da receita é a principal consequência dessa retração da atividade econômica”, diz Ana Paula. “[Um ajuste fiscal] equilibra as contas, prepara os Estados para voltarem a investir, ajuda a retomada do crescimento. Quando percebemos que a demanda pelo alongamento da dívida havia sido acolhida, era importante que esse alongamento tivesse contrapartidas de ajuste estrutural. Se você só alonga, tudo volta lá na frente e volta ainda pior”, afirma.

Segundo Ana Paula, os limites da LRF são tão desrespeitados que impedem até o cálculo efetivo das despesas. “Antes de mais nada, precisamos conhecer a despesa. Não tem como fazer nada sem isso”, diz.

A secretária, no entanto, admite o receio entre o grupo de secretários com o andamento das negociações. “Estamos de fato preocupados com a possibilidade de o processo ser desfigurado. Tratamos dele de forma a equilibrar três itens: o alongamento com desconto das dívidas, contrapartidas e o fortalecimento da LRF. Mas estamos vendo a evolução do debate com muita preocupação”, afirma.

Valor Econômico