GDF cancela concurso para auditores tributários

Apesar de diversos pareceres apontando a inconstitucionalidade do PL 559/2011, governo do Distrito Federal se apressa para aprovar lei que promove transposição de cargos na secretaria de fazenda. Para alguns, trata-se de um “trem da alegria”


A decisão do governo de Agnelo de modificar carreira de auditores gera polêmica: promessa de campanha e acusações de “trem da alegria” – Valter Campanato-ABr

Por Carlos Bafutto – O cancelamento do concurso para auditor tributário da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal está gerando crises internas no Governo do Distrito Federal (GDF) e no PT, partido do governador Agnelo Queiroz. A decisão foi publicada no Diário Oficial do DF, no último dia 29, em função da expectativa de aprovação, pela Câmara Legislativa, do PL 559/2011, chamado pelos auditores tributários aprovados em concurso e pelos mais de 8,1 mil candidatos à seleção de “Trem da Alegria”.

O projeto de Lei de autoria de Executivo local reestrutura a carreira tributária do Distrito Federal, simplificando as carreiras de agente, fiscal e auditor tributário em uma só: auditor fiscal da Receita do DF. A proposta é polêmica sob vários pontos de vista e já chegou a ser considerada inconstitucional em pareceres da própria Câmara Legislativa.

Dentro da Secretaria de Fazenda, as dúvidas e questionamentos começaram quando a Câmara Legislativa aprovou a lei 1626/97 de autoria do então deputado distrital Wasny Roure (PT) que modificou as atribuições dos fiscais e agentes (cargos de nível médio com funções de apoio), aproximando suas funções para as de auditores, que ocupam uma Carreira Típica de Estado, condição que exige nível superior. Com a alteração, o ingresso para os postos de agentes e fiscais passou a pedir graduação. Em 2002 foi julgada a ADI 1.677-4 requerida pelo então Governador Cristóvão Buarque (hoje senador pelo PDT) sobre os mesmos cargos.

A ADI foi considerada procedente e revogou a lei 1.626/97 – DF. No entanto, se o PL 559/2011 for aprovado, os sevidores ativos dos dois cargos passarão a exercer atribuições de auditor, e mesmo os fiscais e agentes aposentados terão suas aposentadorias recalculadas de acordo com o novo cargo que terá a remuneração equiparada com o cargo de auditor tributário: R$ 16 mil. Todos os fiscais e agentes (na ativa e aposentados) serão beneficiados pela progressão na carreira sem terem feito concurso público específico.

“Clima de caos”Segundo o auditor tributário e diretor do Sindicato dos Auditores da Receita do Distrito Federal (Sindfisco-DF), João Alves de Oliveira, “a Secretaria de Fazenda está em clima de caos desde o aparecimento do projeto [de lei]”. Ele detalha a insegurança e conflito de interesses entre as categorias. “Em primeiro lugar, a realização de um concurso para o provimento de vagas de auditor era uma demanda antiga por parte dos auditores da Secretaria. Com o projeto de lei, o GDF estará substituindo candidatos de nível superior que seriam aprovados em concurso específico por servidores de nível médio com atribuições limitadas”.

O sindicalista analisa a situação sob a ótica política. “O antigo secretário da pasta, Waldir Simão, não teve habilidade para resolver o conflito e acabou deixando o cargo. O atual secretário, Marcelo Piancastelli de Siqueira, tem tido dificuldades de compor sua equipe porque os auditores se recusam a ocupar funções comissionadas em protesto ao desrespeito à carreira”, explica. “Há um ingrediente político muito forte nesta questão: o político que teve a proposta de mudança da carreira como promessa de campanha nas últimas eleições, ocupa hoje um cargo estratégico. Trata-se do secretário de governo Paulo Tadeu”, denuncia.

“Trem da alegria” Não só os auditores ativos foram atingidos com o posicionamento do governo. A decisão atinge também os 8.101 candidatos inscritos para o concurso que foi cancelado. A seleção foi autorizada em 2008, mas só em novembro do ano passado foi publicado o edital. Desde então, o processo foi interrompido em quatro ocasiões, sendo três por ações do Tribunal de Contas do Distrito Federal e uma por meio de ação popular que foi derrubada pelo tribunal que ordenou o prosseguimento da seleção.

Renan Matos, representante de um comitê formado por candidatos inscritos, acusa que “o projeto lei já estava pronto há muito tempo e, por isso, representantes do Sindicato dos Funcionários Integrantes da Carreira Auditoria Fiscal do Distrito Federal (Sinafite-DF) insistiam em ações judiciais contra o atual concurso. Tudo isso sob o argumento de que a carência de auditores poderia ser suprida com a  progressão sem concurso de 350 servidores”.

Para evitar o cancelamento da seleção, Matos e outros concurseiros procuraram deputados distritais explicitando os motivos pelos quais a proposta do Executivo era inconstitucional e porque não poderia provocar a anulação do concurso atual, já em andamento. “Antes disso, eles simplesmente diziam que o projeto era do executivo e que iria ser aprovado por unanimidade, sem maiores problemas.

Acontece que diante de tantos argumentos em relação à inconstitucionalidade da proposta, os deputados decidiram pedir pareceres para as áreas técnicas da CLDF”. Segundo Renan, 14 parlamentares solicitaram pareceres à Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa e da Unidade de Constituição e Justiça e todos consideraram o PL inconstitucional.

O advogado especialista em concursos e sevidores públicos Rudi Cassel, do escritório Cassel & Ruzzarin, explica que, com a atitude,  o governo contraria os pareceres da própria assessoria jurídica da CLDF e da Procuradoria da CLDF, que abordam vários aspectos da inconstitucionalidade do PL 559/2011. “Se os pareceres das assessorias técnicas no Brasil fossem observados, muitas leis inconstitucionais não seriam aprovadas num processo em que os aspectos políticos acabam se sobrepondo a uma realidade técnica”, lamenta. “O PL 559/2011, que é a razão oficial para o cancelamento do concurso, tem dois problemas.

Primeiro, ele é usado como fundamento para cancelar o concurso, o que é um motivo inválido, pois se trata apenas de um projeto e que, além de tudo, em versões anteriores foi julgado inconstitucional. Então, há problemas na forma, pois o projeto pode não ser aprovado já que seu conteúdo é inconstitucional”, explica.

Na segunda-feira passada (21/11), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) determinou o prazo de dez dias para que o GDF justifique o cancelamento do concurso. A determinação judicial atende ao pedido feito pelos concurseiros, que impetraram um mandado de segurança.  Os advogados não obtiveram ainda acesso ao documento, para eventual contestação. Segundo Rudi Cassel, a expectativa é ter novas informações no início da próxima semana na Corte Especial do TJDFT que aprecia o recurso.

Polêmica dentro do partido –  Em entrevista exclusiva para o SOS Concurseiro/Congresso em Foco, a deputada federal Erika Kokay (PT/DF), afirma que o projeto se trata de uma absurdidade. “O PL fere a Constituição Federal que assegura o concurso público como um instrumento de estabelecer a impessoalidade.

E esse instrumento está sendo burlado por uma trama que foi urdida na Câmara Legislativa do Distrito Federal”, denuncia. “Não tenho a menor dúvida de que essa lei sofrerá uma nova Ação Direta de Inconstitucionalidade, mas enquanto isso, se constrói uma concepção de promiscuidade entre interesses particulares e públicos, contaminando o Estado”, afirma. “Isso para mim é uma forma de corrupção no sentido de estarem ferindo os instrumentos legais e constitucionais para favorecer determinados grupos. É como se colocar o Estado na mesa como objeto de barganha”, sentencia.

Para a deputada, a manobra vai jogar o Distrito Federal numa profunda insegurança jurídica que só vai favorecer os sonegadores. “Temos exemplos em outros locais do país de políticas tributárias bem sucedidas que representaram grandes acréscimos de receita, enquanto aqui o que se faz é mergulhar a secretaria em tensão e divergências internas e na insegurança jurídica”, prevê.

A deputada enviou uma carta aberta ao governador Agnelo Queiróz (PT) argumentando sobre a inconstitucionalidade do PL 559/2011. “Cumpri meu dever como parlamentar, não apenas como pessoa que acha que temos que ter um estado de Direito. Encaminhei ao GDF minha posição de forma bem clara.

Além da carta, encaminhei outro ofício para o governador pedindo para ele retirar o projeto de discussão na pauta”, garante. Indagada sobre as razões pelas quais o secretário Paulo Tadeu apóia um Projeto de Lei fadado a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) a deputada afirma: “Acho que ele tem uma visão equivocada pautada numa lógica de que isso ajudaria o governo a ter uma arrecadação maior e que seria bom para o estado”.

Silêncio de um lado, barulho do outro – Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do secretário Paulo Tadeu informou que a única pasta autorizada a prestar informações sobre o assunto seria a Secretaria de Administração. O SOS Concurseiro/Congresso em Foco marcou uma entrevista com o secretário de Administração Wilmar Lacerda que deveria ter ocorrido no último dia 29 de novembro, porém, uma hora antes do encontro, a assessoria de imprensa cancelou alegando problemas de agenda.  Nenhuma outra fonte do GDF quis se manifestar sobre o assunto.

Os concurseiros inscritos no concurso cancelado para auditor tributário da Secretaria de Fazenda se preparam para um ato público contra o Projeto de Lei 559/2011. A manifestação está marcada para o dia 5 de dezembro, com início às 16 horas, em frente ao Palácio do Buriti. Os manifestantes pretendem levar vassouras, rodos, baldes para, em um ato simbólico, “varrer os trens da alegria pra fora do Distrito Federal”.

Fonte: Congresso Em Foco http://www.blogdoodi.com.br