Brasília, 14 de março – Em marcha lenta, a locomotiva dos precatórios no Distrito Federal não consegue avançar nos trilhos. O cenário não é nada favorável para os credores, massa formada principalmente por empresas e servidores públicos. Com uma dívida que beira os R$ 3,8 bilhões, referente a débitos com mais de cinco mil pessoas físicas e jurídicas, o GDF acaba de assinar um convênio com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) para ter acesso à atualização dos cálculos de cada uma das dívidas trabalhistas. A medida pode atrasar ainda mais os pagamentos caso o governo peça a revisão dos valores.
O secretário-geral judiciário do TRT-10, Marco Aurélio Willman Saar de Carvalho, afirma que “em termos de acelerar o processo de pagamento, não muda nada”. A novidade, segundo Carvalho, é que o governo, por meio da Procuradoria-Geral do DF, passará a ter acesso à atualização dos cálculos dos precatórios trabalhistas e poderá questionar os índices de atualização (juros e correção monetária) do débito.
Os precatórios são requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário para cobrar de municípios, estados, da União ou do Distrito Federal, assim como de autarquias e fundações, o pagamento de valores devidos após condenação judicial definitiva. Apesar de não haver mais possibilidade de contestar o valor original da dívida, a espera pode levar décadas.
É o caso do servidor aposentado Severino Marques, 74, que aguarda há 13 anos para receber um precatório aproximado de R$ 400 mil. O valor se refere a uma reposição salarial da época em que ele atuava na Secretaria de Fazenda.
Esperança
O dinheiro, segundo o servidor aposentado, seria usado para comprar um apartamento para a filha caçula: “Para quando eu bater as botas ela não ficar desamparada”. A esperança de receber a quantia, no entanto, está se esvaindo. “Toda vez que se aproxima o dia para receber o precatório, o governo atravessa uma petição e protela”, reclama.
Se houver diferença entre a quantia lançada pelo TRT e a calculada pelo GDF, será designada uma audiência de conciliação. Caso haja acordo entre as partes, o valor estabelecido é pago ao credor e sobras eventuais retornam para a conta única administrada pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT).
“Se não tiver o acordo, obviamente vai judicializar. Se tiver, cada um cede um pouco, chega-se numa metodologia de cálculo razoável para os dois e fecha-se o acordo”, esclarece o secretário-geral judiciário do TRT-10.
Willman Saar de Carvalho explica ainda que, com a edição da Emenda Constitucional 62/09, a tentativa de conciliação deixou de ser feita no tribunal. Agora, com a retomada do ato, o objetivo é evitar pagamentos equivocados; tanto com relação à atualização quanto em duplicidade, para credores que já haviam feito compensações de créditos tributários. “O que a gente está fazendo, na verdade, com essa situação, é dar uma dinâmica diferente”, avalia Carvalho.
Na prática, o pacto abre a possibilidade para que a Procuradoria analise e se manifeste sobre os cálculos de atualização dos precatórios feitos pelo tribunal. O procurador-chefe do Centro de Cálculos, Execuções e Cumprimento de Sentenças (Cecal), Adamir Fiel, no entanto, garante que a mudança trará benefícios aos que aguardam receber precatórios trabalhistas.
Segundo Fiel, os pagamentos eram feitos, até então, pelas próprias Varas do Trabalho, o que atrasava os trâmites, “sobretudo em razão da diversidade de entendimentos e da ausência de rotinas claras, que normalmente geravam novas discussões judiciais”. “O convênio, sem dúvida alguma, trará mais agilidade e segurança aos pagamentos”, assegura.
Números atuais
De acordo com o procurador-chefe do Cecal, atualmente o GDF destina 1,5% da receita corrente líquida para o pagamento de precatórios; um total aproximado de R$ 24 milhões por mês. Por ano, são repassados à Justiça R$ 288 milhões.
Apesar da cifra volumosa, no ano passado apenas R$ 131 milhões foram utilizados para pagar os credores – ou seja, menos da metade do repasse anual – de acordo com dados fornecidos pela Coordenação de Conciliação de Precatórios do TJDFT. Desse total, R$ 101 milhões se referiam a precatórios.
A quantia repassada pelo GDF é para fazer frente a uma dívida que já está na casa dos bilhões. O objetivo é regularizar a dívida de precatórios até 2020, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Os esforços, no entanto, terão de ser hercúleos.
Com um passivo de R$ 3,8 bilhões e milhares de credores na fila, aguardando para receber os valores oriundos de decisões judiciais, é difícil vislumbrar o horizonte positivo para os próximos três anos. Além do prazo apertado, o GDF ainda terá de lidar com outra pedra no meio do caminho: as dificuldades impostas pela crise econômica e o arrocho financeiro.
Os precatórios seguem uma ordem cronológica de pagamento, do mais antigo para o mais recente. Também têm prioridade idosos com mais de 60 anos (o que é a maioria dos casos), pacientes com deficiência e portadores de doenças graves, como câncer.
O pagamento dos precatórios foi retomado em 2006, depois de o Distrito Federal ter ficado 14 anos sem desembolsar um centavo sequer com esse tipo de dívida.