CARTA ABERTA AO GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

RESPEITAR A CONSTITUIÇÃO É PRECISO! TRANSPOSIÇÃO NÃO É PRECISO!

(EM DEFESA DO CONCURSO PÚBLICO PARA AUDITOR TRIBUTÁRIO)

Erika Kokay – Deputada  Federal PT/DF.

Brasília, 31 de outubro de 2011.

Companheiro Agnelo,

A Secretaria de Fazenda do Distrito Federal vem sendo dominada por um forte clima de instabilidade, com graves e irreparáveis prejuízos para a sociedade, desde o último dia 27 de setembro, quando foi lido, na Câmara Legislativa, o Projeto de Lei nº 559, de 2011, que, a pretexto de reestruturar a Carreira Auditoria Tributária, pretende passar os atuais ocupantes dos cargos de fiscal tributário e de agente fiscal tributário para o cargo de Auditor Tributário sem que precisem se submeter à exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público. Esse projeto de lei, que, se aprovado, irá beneficiar cerca de 350 servidores, representa uma verdadeira afronta à Constituição e uma intolerável agressão a todos aqueles que defendem o Estado Democrático de Direito, regido por princípios republicanos, onde o interesse público esteja sempre acima dos interesses particulares de quem quer que seja.

Naturalmente, que ninguém na Secretaria de Fazenda é contrário às legítimas aspirações dos referidos servidores de ascenderem ao cargo de auditor tributário, haja vista que apenas os ocupantes desse cargo têm competência plena para exercer a fiscalização sobre o universo de contribuintes do Distrito Federal e para promover os levantamentos fiscais mais complexos e abrangentes, particularmente em relação aos contribuintes de maior porte econômico, que representam algo em torno de 40% do total e respondem por mais de 80% da arrecadação tributária local.   O que não se pode admitir, entretanto, é que esse objetivo seja alcançado por meio da transposição de cargos, como propõe o projeto de lei mencionado. É preciso resgatar a bravura, o desprendimento e o espírito público do velho general romano, Pompeu, que não teve medo de singrar os mares, mesmo sob o risco de ataques de piratas, para garantir alimentos para Roma, quando proferiu a célebre frase “ Navigare necesse, vivere non necesse”, imortalizada pelo grande poeta português Fernando Pessoa. Os fiscais e agentes tributários, portanto, precisam ter a coragem de enfrentar o concurso público e disputar as vagas disponíveis, se quiserem ser auditores tributários.

Aceitar o caminho proposto da transposição representaria não apenas rasgar a Constituição Federal, mas também o retorno a um velho caminho de fazer política no Distrito Federal; o retorno à época da barbárie, a uma visão patrimonialista do Estado; onde os governantes se sentem os donos do Poder, do Estado e dos recursos públicos; como se tudo isso estivesse a serviço apenas de seus próprios interesses e pudesse ser livremente usado para a conquista de apoios políticos. Nesse sentido, não seria exagero dizer que mutatis mutandis esse modo de governar equivale e reproduz em sua essência a famigerada política de distribuição de lotes, que vigorou até há pouco tempo e que tantos danos causou à população do Distrito Federal.

Para evitar que esse retrocesso aconteça é importante que o Projeto de Lei 559/2011 seja retirado da Câmara Legislativa e que sejam adotadas as medidas cabíveis visando à necessária celeridade na realização do concurso público para o cargo de auditor tributário. É preciso lembrar que esse concurso já vem se arrastando há mais de um ano e que atualmente já existem cerca de 11.000 candidatos inscritos. É preciso lembrar também que o concurso público é o único processo legítimo e democrático para o provimento dos cargos públicos efetivos, onde todos os interessados têm a oportunidade de disputar as vagas oferecidas em igualdade de condições, sendo inaceitável qualquer forma de transposição de cargos.

Por fim, é preciso lembrar também que, até em defesa dos próprios servidores que hoje ocupam os cargos de fiscal tributário e de agente fiscal e que desejam um dia ocupar o cargo de auditor tributário, é indispensável que se submetam à prévia aprovação no concurso público, pois somente assim afastam o risco de, eventualmente, no curso de uma fiscalização em um estabelecimento qualquer, passar pelo constrangimento de ouvir de um contribuinte que esteja em situação irregular, incidindo, por exemplo, no crime de sonegação fiscal ou coisa que o valha, declarações ofensivas do tipo “…você não tem legitimidade para fiscalizar o meu estabelecimento ou para me autuar. Você também está fraudando a administração pública, pois está usurpando um cargo público.” O auditor tributário, para o bom exercício de suas atividades, além da indispensável qualificação técnica, precisa ter a liberdade de bater no peito e dizer: SOU AUDITOR TRIBUTÁRIO. FUI APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO! NÃO ROUBEI A VAGA DE NINGUÉM!