Ainda considerado por analistas como garantidor da política fiscal do governo, ministro da Economia andou na berlinda nos últimos dias devido às divergências com Bolsonaro e com a ala militar do Planalto sobre a condução da política econômica

Correio Braziliense

O pedido de demissão de Sergio Moro do comando do Ministério da Justiça fez rodar a roleta das apostas sobre quem será o próximo integrante do primeiro escalão a desembarcar do governo Bolsonaro. As fichas estão sendo direcionadas para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que esteve na berlinda nos últimos dias devido às divergências com o presidente e com a ala militar sobre a condução da política econômica, em meio à recessão que se forma pela pandemia da Covid-19.Continua depois da publicidade


A grande dúvida, no entanto, é se Guedes conseguirá continuar no cargo após a saída de um dos ministros com popularidade maior do que a do presidente. Foi ele quem convidou Moro para integrar o governo e o apresentou a Bolsonaro, lembram amigos do responsável pela política econômica. Fontes próximas a Guedes acreditam que não abandonará o barco tão facilmente, apesar de ter um temperamento explosivo parecido com o do presidente.


Assim como Moro era o pilar da confiança da sociedade de que o governo combateria a corrupção, Guedes é a sustentação junto aos investidores e aos empresários de que Bolsonaro não vai fazer as estripulias fiscais que levaram as contas públicas a registrarem deficit primário pelo oitavo ano consecutivo. Sua atuação tem limitado o espaço para novos gastos no combate à atual crise. Analistas evitam comparar Guedes com Moro.


Na avaliação de Murilo Aragão, advogado e sócio-fundador da consultoria Arko Advice, com o tamanho da crise, Bolsonaro e Guedes devem “se conciliar”. Contudo, uma das dúvidas no mercado é se o ministro botará um freio nas aspirações desenvolvimentistas do ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, que apresentou o plano Pró-Brasil de retomada da economia.


O anúncio do programa deixou a equipe econômica desconcertada. Para uma fonte próxima do ministro, o maior desafio de Guedes nos próximos dias será justamente o embate entre a visão econômica liberal, defendendo o livre mercado, versus a keynesiana (linha de John Maynard Keynes, 1883-1946), mais intervencionista. “Esse embate vai se acirrado entre duas visões distintas. O ministro sabe que recuperar pelo mercado é uma tarefa que demanda vários anos, e a outra linha que está se contrapondo no governo e está ganhando força é a keynesiana, que é o modelo que os outros países estão usando. Mas o Brasil precisa tomar cuidado com os gastos, porque não tem espaço fiscal para aumentar as despesas”, destacou um economista, que pediu anonimato.

Decepção

Guedes ficou decepcionado com o Ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que ajudou na concepção do plano de Braga Netto. Técnicos da equipe econômica contam que o programa está “mal estruturado” porque foi feito às pressas e atropelou o trabalho que vinha sendo feito pela pasta para a pós-pandemia, focando na aceleração de concessões e privatizações e na simplificação tributária. Internamente, o plano da Casa Civil é chamado de “PAC do Marinho”, em referência ao Programa de Aceleração do Crescimento dos governos petistas.Continua depois da publicidade


A economista e advogada Elena Landau acredita que Guedes continuará no cargo porque tem total alinhamento político com Bolsonaro. “Ele não pode ser comparado ao (ex-ministro da Saúde Luiz Henrique) Mandetta ou Moro. Se sair, é porque sabe que não entregará o que prometeu. E já não ia entregar antes da pandemia. Sair agora seria uma oportunidade para ele, pois poderia se justificar com o fato de ter sido enfraquecido com o Plano Pró-Brasil. E as promessas que fez cairiam no esquecimento”, destacou.
Analistas do mercado admitem que os resultados de ontem (leia abaixo) não refletiram só a saída de Moro, mas também a queda na confiança na condução da política econômica. André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, acredita que Guedes continua, mas estará sob muito mais pressão. “A saída de Moro dá conta de uma estratégia de aproximação de Bolsonaro com o Centrão. Mas se isso implicar em gastos fiscais extras, que o ministro Guedes não corrobora”, afirmou. “A questão da confiança agora é o que mais pesa, porque o próximo alvo teoricamente seria um ponto muito importante da política econômica”, completou o analista da Clear Corretora, Rafael Ribeiro.


Segundo um líder do Centrão que pediu anonimato, seria muito ruim a saída de Guedes neste momento. “O governo tinha deixado o ministro contrariado, mas deve procurar administrar essa agora. Já perdeu uma ponte com a sociedade (Moro) e deve tentar manter uma ponte com o mercado, pelo menos”, reconheceu.