Querem confundir a opinião pública para justificar o “trem da alegria”

www.brasilia247.com.br / 27 do 09 de 2011 às 20:41

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Jason Henrique Cares

O Secretário de Fazenda, demonstrando total falta de compromisso com o fortalecimento da administração tributária, com o efetivo combate à sonegação fiscal e com a busca pelo aumento da arrecadação no Distrito Federal, tenta confundir a opinião pública para justificar o “trem da alegria” que está tentando implantar na Secretaria de Fazenda.

A proposta de unificação dos cargos da Carreira de Auditoria Tributária vem sendo justificada pelo secretário com argumentos falaciosos de que os três cargos hoje existentes na carreira têm atribuições muito semelhantes, e que para todos é exigido o nível superior de escolaridade. Parece esquecer que a escolaridade é apenas um dos requisitos necessários para que alguém possa se candidatar a ocupar determinado cargo público, mas que a condição sine qua non para isso é a prévia aprovação no concurso público, conforme determina o art. 37 da Constituição Federal.

Com a argumentação de busca da eficiência, o Secretário quer reunir em um único cargo os ocupantes dos três cargos atualmente existentes (Auditor Tributário, Fiscal Tributário e Agente Fiscal Tributário), com as atribuições que hoje competem ao Auditor Tributário. Em uma empresa privada podemos entender ser racional e/ou eficiente promover um ocupante do cargo de Técnico de Contabilidade para Contador, mas a administração pública é regida por normas específicas. Isso porque o cargo público pertence à sociedade, e seu ocupante deve ser escolhido entre todos os cidadãos interessados pela via do concurso público (art. 37, II – CF). Assim, consiste em flagrante inconstitucionalidade qualquer tentativa de ampliação de atribuições de servidores e unificação, em um mesmo cargo, de servidores que fizeram concursos para cargos com graus de complexidade e até com níveis de escolaridade diferentes.

Ressalte-se que, apesar de hoje todos os cargos terem requisito de curso superior para ingresso, diversos servidores ocupantes dos cargos de Fiscal Tributário e todos os atuais ocupantes do cargo de Agente Fiscal Tributário prestaram concurso quando o nível de escolaridade exigido era o nível médio. De acordo com o projeto do Secretário de Fazenda, tais servidores serão alçados a cargo de nível superior idêntico ao dos Auditores Tributários, sem se submeter ao concurso público específico para o cargo exigido pela Constituição Federal.

Ao analisar a lei do Estado do Ceará, que da mesma forma que se pretende fazer aqui, e sob o pretexto de se buscar maior eficiência e racionalidade administrativa, tentou implantar um “trem da alegria” por meio da unificação de cargos, o Supremo Tribunal Federal fulminou tal pretensão, conforme ementa transcrita abaixo:

“Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei do Estado do Ceará. Provimento derivado de cargos. Inconstitucionalidade. Ofensa ao disposto no art. 37, ii, da cf. Ação julgada procedente. i – São inconstitucionais os artigos da Lei 13.778/2006, do Estado do Ceará que, a pretexto de reorganizar as carreiras de auditor adjunto do tesouro nacional, técnico do tesouro estadual e fiscal do tesouro estadual, ensejaram o provimento derivado de cargos. ii – Dispositivos legais impugnados que afrontam o comando do art. 37, ii, da Constituição Federal, o qual exige a realização de concurso público para provimento de cargos na administração estatal. iii – Embora sob o rótulo de reestruturação da carreira na secretaria da fazenda, procedeu-se, na realidade, à instituição de cargos públicos, cujo provimento deve obedecer aos ditames constitucionais. iv – Ação julgada procedente.”

Em relação à própria carreira de Auditoria Tributária do DF o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 1677, vetou a possibilidade de Técnicos Tributários (Agentes Fiscais) serem aproveitados como Fiscais Tributários conforme previsto na Lei 1626/97. Posteriormente, ao julgar a ADI nº 5913-4, que impugnava artigos da Lei 2.594/2000, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal considerou também inconstitucional o aproveitamento de Técnicos Tributários e Fiscais Tributários no recém criado cargo de Fiscal da Receita.

Mais recentemente, em 2008, o TJDF voltou a se manifestar contrário ao enquadramento de Fiscais da Receita como Auditores Tributários. É o que se constata da decisão constante do processo abaixo.

Órgão :CONSELHO ESPECIAL
Classe : MANDADO DE SEGURANÇA
N. Processo : 2005 00 2 010492-4
Relator Des. : J. J. COSTA CARVALHO
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA FISCAL DA RECEITA. APROVEITAMENTO EM CARGO DE ATRIBUIÇÕES DIFERENCIADAS. AUDITOR TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.
Ementa:
Ainda que o cargo para o qual os impetrantes prestaram o concurso tenha sido extinto, não há direito líquido e certo que assegure a progressão dos aprovados para Fiscal da Receita para Auditores Tributários, sob pena de afronta ao art. 37, II, da Constituição Federal, que limita a posse em cargo público à aprovação em concurso específico.
Decisão DENEGAR A ORDEM. UNÂNIME.

No contexto do relatório o Exmo. Senhor Desembargador fez ainda a seguinte assertiva:

“Ora, não é simplesmente porque o cargo para o qual prestaram o concurso foi extinto (Fiscal da Receita) que os autores podem, sem que haja qualquer previsão legal nesse sentido, ser alçados ao cargo de Auditor ributário, simplesmente sob a alegação de que este seria o imediatamente superior dentro da carreira. Se assim o fosse, v. g., todos os Agentes da Polícia Civil que prestaram concurso público, depois que se passou a exigir nível superior para o cargo, deveriam ter sido recolocados como delegados”.

Com certeza, caso venha a ser aprovado, o “trem da alegria candango” não terá melhor sorte e está fadado também a ser sumariamente anulado pela justiça. Caso se confirme, essa absurda “reestruturação de carreira” trará prejuízos aos cofres públicos quando autos de infração vierem a ser declarados nulos por terem sido lavrados por agentes incompetentes sob o aspecto formal. Quando isso acontecer, caberá ao SINDIFISCO/DF, sem prejuízo da atuação de outras instâncias competentes como, por exemplo, o Ministério Público do Distrito Federal, a proposição das medidas judiciais cabíveis para responsabilizar pessoalmente os autores desse verdadeiro atentado contra a administração tributária do Distrito Federal.

Por fim, não se pode deixar de chamar atenção para algumas inverdades contidas na versão que vem sendo apresentada na imprensa pelo Secretário de Fazenda e pelos defensores do “trem da alegria”. A primeira mentira refere-se à alegação de que o universo de contribuintes do Distrito Federal, cuja fiscalização é de competência exclusiva dos auditores, corresponde apenas a 2%, que seriam os contribuintes excluídos do Simples Nacional, com faturamento anual superior a R$ 3,6 milhões. Na realidade, o limite do supersimples em vigor atualmente é de R$ 2,4 milhões, estando em discussão no Senado a proposta para sua elevação. De mais a mais, pareceria no mínimo irracional que o Secretário se empenhasse tanto em rasgar a Constituição e promover o famigerado “trem da alegria” para ampliar em apenas 2% o conjunto de contribuintes que os atuais fiscais tributários e Agentes fiscais tributários ficariam autorizados a fiscalizar. Acrescente-se que as empresas enquadradas no regime normal de apuração, cuja fiscalização está restrita aos Auditores Tributários, respondem por mais de 90% (noventa por cento) da arrecadação.

A segunda mentira consiste na declaração de que o projeto apresentado não terá qualquer impacto financeiro. Isso é absolutamente falso, pois, caso o “trem da alegria” prospere, os Fiscais Tributários e os Agentes Fiscais Tributários poderão ter um reajuste de até 13,21% a partir de 1º de janeiro do próximo ano, dependendo da forma como for aplicada a progressão funcional prevista no parágrafo único do artigo 16. Para cumprir exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto, o Secretario tem a obrigação de apresentar as informações relativas ao impacto financeiro do projeto de lei, pois, dependendo das variáveis consideradas, ele pode superar os R$ 20,0 milhões em 2012.
Jason Henrique Cares
Presidente do Sindicato dos Auditores da Receita do Distrito Federal – SINDIFISCO-DF